A história brasileira é marcada por figuras notáveis que, embora menos conhecidas, merecem um lugar de destaque por suas contribuições ao país. Entre esses personagens, Astrojildo Pereira surge como um exemplo de vida épica, marcada por coragem, ideais e um profundo compromisso com a transformação social. Independentemente das filiações partidárias, seu legado deve ser celebrado como parte fundamental da história política e cultural do Brasil.

Astrojildo Pereira Duarte Silva, ainda um jovem de apenas 17 anos, protagonizou um episódio que marcou sua vida. Na época, ele trabalhava como gráfico em Niterói e soube, por meio de um jornal, que Machado de Assis estava em estado grave. Movido por um profundo respeito pelo escritor, tomou uma barca para o Rio de Janeiro, pegou um bonde e foi até o Cosme Velho, onde Machado residia. Ao bater na porta, foi recebido por Euclides da Cunha, que, impressionado pela determinação do jovem, permitiu que ele se despedisse do grande romancista brasileiro.

Machado, já enfraquecido, recebeu Astrogildo em seu leito. O jovem encostou sua cabeça no peito do escritor, em um gesto simbólico que representou a união entre gerações e corações que pulsavam pelo Brasil. Poucas horas depois, Machado faleceu, e Euclides da Cunha, comovido pelo episódio, escreveu a crônica intitulada “A Última Visita”, exaltando o jovem que, segundo ele, tinha o coração alinhado com os grandes ideais nacionais.

Astrojildo, autodidata e inquieto, tinha uma sede de conhecimento e justiça social que o levou para além das fronteiras brasileiras. Aos 20 anos, foi para a França, onde entrou em contato com ideias anarquistas. Apesar das dificuldades financeiras – chegando a ser deportado por dormir em praças públicas -, essas experiências o moldaram como um pensador crítico e ativo.

De volta ao Brasil, com apenas 22 anos, tornou-se secretário-geral da Central Operária Brasileira, liderando importantes greves que reivindicavam melhores condições de trabalho. Sua luta, contudo, não foi isenta de sacrifícios: foi preso e torturado, resistindo bravamente em nome de suas convicções.

Em 1922, Astrojildo foi um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Seu pensamento evoluiu do anarquismo para o comunismo, à medida que compreendeu que as novas configurações da indústria exigiam formas mais organizadas de luta política para a classe trabalhadora.

Nos anos seguintes, Astrojildo teve uma trajetória internacional que muitos apenas poderiam imaginar em livros de ficção. Em 1924, viajou para Moscou, onde acompanhou os funerais de Lênin, tornando-se o único representante sul-americano presente no evento. Durante seu tempo na União Soviética, compartilhou um apartamento com Ho Chi Minh, que mais tarde se tornaria o líder revolucionário vietnamita. Essas vivências expandiram sua compreensão da luta internacionalista.

Ao retornar ao Brasil, Astrojildo se envolveu em missões que moldariam o futuro do país. Em 1927, foi à Bolívia para encontrar-se com Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, trazendo-o para o movimento comunista brasileiro. Essa aliança foi crucial para fortalecer as fileiras do PCB e consolidar uma frente de resistência contra as opressões da época.

Os anos 1930 foram marcados por uma série de desafios para Astrojildo e o PCB. Durante o Estado Novo, liderado por Getúlio Vargas, ele enfrentou perseguições e encarceramentos. Para sobreviver, se retirou para o interior, onde passou a plantar bananas em Itaboraí (RJ). Esse período de reclusão inspirou o poeta Manuel Bandeira, que registrou em versos a coragem de Astrojildo em face das adversidades.

Mesmo afastado temporariamente da vida política, Astrojildo nunca deixou de escrever e de colaborar com a imprensa, criando jornais e revistas literárias que disseminavam ideias críticas e progressistas.

Já em idade avançada, Astrojildo foi preso novamente, desta vez sob o regime militar que se instaurou no Brasil em 1964. Aos 75 anos, foi submetido a 74 dias de intensos interrogatórios, o que acabou por deteriorar sua saúde. Libertado, faleceu pouco depois, devido às condições desumanas a que foi submetido na prisão. Sua morte, trágica e emblemática, foi o desfecho de uma vida dedicada à luta por um Brasil mais justo.

Afonso Arinos de Melo Franco, um conservador reconhecido por sua honestidade intelectual, afirmou que Astrojildo Pereira foi “a maior aventura intelectual do Brasil no século XX”. Essa frase resume bem a importância de uma figura que, independentemente de suas filiações políticas, foi um verdadeiro patriota, cuja trajetória reflete um compromisso inabalável com a justiça e a liberdade.

Este artigo não busca tomar partido em favor de qualquer ideologia política, mas sim resgatar a memória de uma personalidade brasileira que deixou uma marca indelével em nossa história. Astrojildo Pereira foi, acima de tudo, um homem movido por convicções, que dedicou sua vida à busca de um Brasil mais justo e igualitário. Sua trajetória é uma inspiração para aqueles que acreditam no poder da coragem, do pensamento crítico e da ação coletiva.

Ao trazer à luz a vida de Astrojildo, desejamos que mais brasileiros conheçam sua história, não como um mártir de um partido, mas como um exemplo de humanidade e dedicação ao bem comum. Afinal, como destacou Euclides da Cunha, em sua juventude já pulsava nele o coração de toda uma nacionalidade.

Mauro Nascimento

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