Catolicismo de maneira inclusiva

Categoria: Opinião (Página 1 de 14)

Você também se sente culpado por descansar?

Na sociedade contemporânea, existe um paradoxo curioso que permeia nossa relação com o tempo: quanto mais ferramentas temos para otimizar nossas tarefas, menos tempo parece nos sobrar. E quando finalmente encontramos um momento para descansar, somos assombrados por um sentimento peculiar de culpa, como se o próprio ato de pausar fosse uma transgressão contra nossa produtividade.

Este fenômeno não é mera coincidência, mas sim o reflexo de uma cultura que transformou a produtividade constante em uma virtude moral. O capitalismo moderno, aliado às tecnologias que nos mantêm constantemente conectados, criou um ambiente onde o “fazer” se tornou mais valorizado que o “ser”. Neste contexto, o descanso deixou de ser visto como uma necessidade biológica e passou a ser interpretado como um sinal de fraqueza ou, pior ainda, de preguiça.

O ritmo frenético de nossas vidas se assemelha a uma esteira em velocidade máxima, onde corremos incessantemente sem necessariamente chegar a algum lugar. Reuniões se sobrepõem a compromissos, notificações interrompem momentos de concentração, e a lista de tarefas parece se multiplicar mesmo quando dormimos. Este ciclo vicioso nos condicionou a um estado de alerta permanente, onde o próprio cérebro se recusa a desacelerar.

Quando finalmente nos permitimos uma pausa, seja forçada por exaustão ou planejada, o sentimento de culpa emerge como um fantasma familiar. “Será que não estou esquecendo algo importante?”, “Deveria estar aproveitando este tempo para adiantar aquele projeto?”, “Os outros estão trabalhando enquanto descanso?” – são perguntas que ecoam em nossa mente, envenenando momentos que deveriam ser de recuperação e paz.

Esta culpa do descanso revela uma distorção profunda em nossa compreensão sobre produtividade e bem-estar. Ignoramos que o descanso não é apenas uma pausa no trabalho, mas um componente essencial para nossa criatividade, produtividade e saúde mental. Os momentos de pausa são fundamentais para a consolidação de memórias, processamento de experiências e regeneração física e mental.

A natureza nos oferece exemplos claros desta necessidade: as estações do ano alternam períodos de crescimento e repouso, os animais hibernam, e até mesmo o solo precisa de períodos de pousio para manter sua fertilidade. Por que, então, nos convencemos de que podemos funcionar em um estado perpétuo de atividade?

É urgente reconhecermos que esta “cultura da pressa constante” está nos adoecendo. O aumento nos casos de burnout, ansiedade e depressão são sinais claros de que nosso modelo atual é insustentável. Precisamos reaprender a descansar sem culpa, compreendendo que o descanso não é um privilégio, mas uma necessidade fundamental.

A solução passa por uma mudança profunda de mentalidade. Precisamos desconstruir a ideia de que nosso valor está atrelado à nossa produtividade. O descanso precisa ser reintegrado em nossa rotina não como uma recompensa pelo trabalho, mas como parte integral de um ciclo saudável de vida.

Talvez seja hora de nos perguntarmos: quanto desta pressa é realmente necessária? Quanto deste sentimento de culpa é realmente nosso, e quanto foi imposto por um sistema que prospera com nossa exaustão? O verdadeiro progresso talvez não esteja em fazer mais coisas em menos tempo, mas em recuperar nossa capacidade de existir plenamente no momento presente, seja ele de ação ou de repouso.

O desafio está posto: precisamos reaprender a desacelerar, a respirar, a contemplar. Precisamos redescobrir o valor do ócio, do descanso regenerador e da pausa consciente. Só assim poderemos romper com este ciclo vicioso de aceleração constante e culpa, encontrando um ritmo de vida mais sustentável e humanizado.

Mauro Nascimento

Do local ao universal: Fernanda Torres e a cultura que o mundo precisa ver

A cultura é como o ar que respiramos: está tão presente em nossas vidas que muitas vezes não a percebemos. Somos cegos para a nossa própria cultura, para as nuances que nos definem, para as histórias que nos moldam. No entanto, paradoxalmente, ansiamos que o mundo veja o que estamos criando, que reconheça o valor do que produzimos. Esse contraste entre a invisibilidade interna e o desejo de visibilidade externa ganhou um novo capítulo com a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro de 2024, como “Melhor Atriz em Filme de Drama” por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”.

Fernanda Torres não apenas fez história ao se tornar a primeira brasileira (entre homens e mulheres) a conquistar o prêmio, mas também trouxe à tona uma reflexão sobre o lugar da arte e da cultura brasileira no cenário global. Sua vitória não é apenas um triunfo pessoal, mas um lembrete de que a arte transcende fronteiras, idiomas e preconceitos. Ao competir com nomes como Nicole Kidman, Angelina Jolie e Kate Winslet, ela mostrou que a excelência artística não tem nacionalidade, mas, ao mesmo tempo, carrega consigo a essência de onde vem.

O Globo de Ouro para Fernanda Torres em si é um feito e tanto que merece comemoração. Ela é a quarta mulher a ganhar o troféu por performance em língua não inglesa em produções internacionais. Três são europeias. Apenas Fernanda Torres é de outro continente. Esse dado não é apenas estatístico; é simbólico. Ele revela a raridade e a importância de sua conquista, especialmente em um cenário global que ainda tende a privilegiar narrativas e rostos familiares, muitas vezes europeus ou norte-americanos. Fernanda, com sua vitória, quebra barreiras geográficas e culturais, mostrando que a excelência artística não está confinada a um único eixo cultural.

Em seu discurso, Fernanda dedicou o prêmio à sua mãe, Fernanda Montenegro, e falou sobre a durabilidade da arte, mesmo em tempos difíceis. Suas palavras reverberam uma “verdade universal”: a arte é um refúgio, um espelho e uma ferramenta de resistência. Ela não apenas nos ajuda a sobreviver, mas também a entender quem somos e o que podemos ser. Ao mencionar filmes como “O Auto da Compadecida 2” e “Manas”, Fernanda fez um chamado para que valorizemos nossa própria produção cultural, para que tenhamos orgulho dos nossos artistas e escritores.

No entanto, essa valorização não é algo que acontece naturalmente. Muitas vezes, somos cegos para a riqueza da nossa própria cultura, preferindo consumir o que vem de fora, como se o estrangeiro fosse, por definição, superior. Esse complexo de inferioridade cultural é um fenômeno antigo e persistente, especialmente em países como o Brasil, que historicamente lutam para afirmar sua identidade em um mundo dominado por narrativas estrangeiras. Fernanda Torres, ao ganhar um Globo de Ouro, nos lembra que não há razão para esse sentimento de inferioridade. Nossa cultura é vibrante, diversa e potente. O que falta, talvez, é olharmos para ela com os mesmos olhos com que esperamos que o mundo a veja.

A vitória de Fernanda também nos convida a refletir sobre o papel da arte em um mundo cada vez mais fragmentado e assustador. Em tempos de incerteza, medo e polarização, a arte surge como um espaço de diálogo, de empatia e de esperança. “Ainda Estou Aqui”, o filme que rendeu a Fernanda o prêmio, é um exemplo disso. Ele não apenas conta uma história, mas também nos convida a pensar sobre como sobreviver e encontrar significado em meio ao caos. Essa é a magia da arte: ela nos transforma, mesmo quando não percebemos.

Por fim, a conquista de Fernanda Torres é um chamado à ação. Um chamado para que valorizemos nossos artistas, para que consumamos nossa própria cultura, para que tenhamos orgulho do que somos e do que criamos. E, acima de tudo, é um lembrete de que a arte não é um luxo, mas uma necessidade. Ela nos ajuda a ver o que está diante de nós, mesmo quando estamos cegos. E, talvez, seja essa a maior lição que podemos tirar dessa vitória histórica: a arte nos abre os olhos, tanto para o mundo quanto para nós mesmos.

Que Fernanda Torres seja não apenas uma celebrada vencedora do Globo de Ouro, mas também um farol que nos guie para uma maior apreciação da nossa própria cultura. Afinal, como ela mesma disse, “vamos ter orgulho dos nossos artistas”. E, ao fazê-lo, talvez possamos finalmente ver o que sempre esteve diante de nossos olhos.

Mauro Nascimento

Astrojildo Pereira: “a maior aventura intelectual do Brasil no Século XX”

A história brasileira é marcada por figuras notáveis que, embora menos conhecidas, merecem um lugar de destaque por suas contribuições ao país. Entre esses personagens, Astrojildo Pereira surge como um exemplo de vida épica, marcada por coragem, ideais e um profundo compromisso com a transformação social. Independentemente das filiações partidárias, seu legado deve ser celebrado como parte fundamental da história política e cultural do Brasil.

Astrojildo Pereira Duarte Silva, ainda um jovem de apenas 17 anos, protagonizou um episódio que marcou sua vida. Na época, ele trabalhava como gráfico em Niterói e soube, por meio de um jornal, que Machado de Assis estava em estado grave. Movido por um profundo respeito pelo escritor, tomou uma barca para o Rio de Janeiro, pegou um bonde e foi até o Cosme Velho, onde Machado residia. Ao bater na porta, foi recebido por Euclides da Cunha, que, impressionado pela determinação do jovem, permitiu que ele se despedisse do grande romancista brasileiro.

Machado, já enfraquecido, recebeu Astrogildo em seu leito. O jovem encostou sua cabeça no peito do escritor, em um gesto simbólico que representou a união entre gerações e corações que pulsavam pelo Brasil. Poucas horas depois, Machado faleceu, e Euclides da Cunha, comovido pelo episódio, escreveu a crônica intitulada “A Última Visita”, exaltando o jovem que, segundo ele, tinha o coração alinhado com os grandes ideais nacionais.

Astrojildo, autodidata e inquieto, tinha uma sede de conhecimento e justiça social que o levou para além das fronteiras brasileiras. Aos 20 anos, foi para a França, onde entrou em contato com ideias anarquistas. Apesar das dificuldades financeiras – chegando a ser deportado por dormir em praças públicas -, essas experiências o moldaram como um pensador crítico e ativo.

De volta ao Brasil, com apenas 22 anos, tornou-se secretário-geral da Central Operária Brasileira, liderando importantes greves que reivindicavam melhores condições de trabalho. Sua luta, contudo, não foi isenta de sacrifícios: foi preso e torturado, resistindo bravamente em nome de suas convicções.

Em 1922, Astrojildo foi um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Seu pensamento evoluiu do anarquismo para o comunismo, à medida que compreendeu que as novas configurações da indústria exigiam formas mais organizadas de luta política para a classe trabalhadora.

Nos anos seguintes, Astrojildo teve uma trajetória internacional que muitos apenas poderiam imaginar em livros de ficção. Em 1924, viajou para Moscou, onde acompanhou os funerais de Lênin, tornando-se o único representante sul-americano presente no evento. Durante seu tempo na União Soviética, compartilhou um apartamento com Ho Chi Minh, que mais tarde se tornaria o líder revolucionário vietnamita. Essas vivências expandiram sua compreensão da luta internacionalista.

Ao retornar ao Brasil, Astrojildo se envolveu em missões que moldariam o futuro do país. Em 1927, foi à Bolívia para encontrar-se com Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, trazendo-o para o movimento comunista brasileiro. Essa aliança foi crucial para fortalecer as fileiras do PCB e consolidar uma frente de resistência contra as opressões da época.

Os anos 1930 foram marcados por uma série de desafios para Astrojildo e o PCB. Durante o Estado Novo, liderado por Getúlio Vargas, ele enfrentou perseguições e encarceramentos. Para sobreviver, se retirou para o interior, onde passou a plantar bananas em Itaboraí (RJ). Esse período de reclusão inspirou o poeta Manuel Bandeira, que registrou em versos a coragem de Astrojildo em face das adversidades.

Mesmo afastado temporariamente da vida política, Astrojildo nunca deixou de escrever e de colaborar com a imprensa, criando jornais e revistas literárias que disseminavam ideias críticas e progressistas.

Já em idade avançada, Astrojildo foi preso novamente, desta vez sob o regime militar que se instaurou no Brasil em 1964. Aos 75 anos, foi submetido a 74 dias de intensos interrogatórios, o que acabou por deteriorar sua saúde. Libertado, faleceu pouco depois, devido às condições desumanas a que foi submetido na prisão. Sua morte, trágica e emblemática, foi o desfecho de uma vida dedicada à luta por um Brasil mais justo.

Afonso Arinos de Melo Franco, um conservador reconhecido por sua honestidade intelectual, afirmou que Astrojildo Pereira foi “a maior aventura intelectual do Brasil no século XX”. Essa frase resume bem a importância de uma figura que, independentemente de suas filiações políticas, foi um verdadeiro patriota, cuja trajetória reflete um compromisso inabalável com a justiça e a liberdade.

Este artigo não busca tomar partido em favor de qualquer ideologia política, mas sim resgatar a memória de uma personalidade brasileira que deixou uma marca indelével em nossa história. Astrojildo Pereira foi, acima de tudo, um homem movido por convicções, que dedicou sua vida à busca de um Brasil mais justo e igualitário. Sua trajetória é uma inspiração para aqueles que acreditam no poder da coragem, do pensamento crítico e da ação coletiva.

Ao trazer à luz a vida de Astrojildo, desejamos que mais brasileiros conheçam sua história, não como um mártir de um partido, mas como um exemplo de humanidade e dedicação ao bem comum. Afinal, como destacou Euclides da Cunha, em sua juventude já pulsava nele o coração de toda uma nacionalidade.

Mauro Nascimento

Subsídios: Ivan Alves Filho.

 

De Twitter a X: a nova cara da desordem nas redes sociais 

A aquisição do Twitter por Elon Musk e sua subsequente transformação em “X” tem sido um ponto de discussão acalorado. Muitos observadores consideram essa mudança um péssimo negócio, apontando perdas financeiras significativas e a queda contínua de usuários e anunciantes. No entanto, para alguém com uma fortuna colossal como Musk, tais perdas parecem ter sido, até certo ponto, previstas e aceitas. Essa atitude sugere que o objetivo de Musk ao adquirir e reconfigurar o Twitter vai além de simplesmente buscar lucro; ele parece estar mais interessado em criar uma plataforma que reflita suas próprias ideias e visões políticas.

Recentemente, Musk entrevistou Donald Trump em sua plataforma, um movimento que foi visto como um apoio indireto às visões do ex-presidente. Esse episódio exemplifica como Musk utiliza o “X” como um palco para suas próprias inclinações políticas, interferindo em áreas onde não é necessariamente chamado ou bem-vindo, e desafiando figuras e instituições de poder. Essa abordagem reflete uma visão pessoal do que é certo ou errado, e um desejo de moldar o discurso público de acordo com suas próprias crenças.

Além das motivações pessoais de Musk, a transformação do Twitter em “X” tem implicações significativas para os usuários da plataforma. O Twitter, antes uma rede social onde os usuários podiam seguir e interagir com outros de forma relativamente direta, agora parece ter mudado drasticamente. O novo algoritmo favorece a exposição de conteúdos e perfis com os quais o usuário não tem interesse explícito, promovendo conflitos e disputas ao invés de interações genuínas e construtivas. Esse ambiente, de constante provocação e antagonismo, desvia da natureza original da rede e aliena muitos de seus antigos usuários.

A transformação do Twitter em “X” também levanta questões sobre a moderação de conteúdo. Sem uma moderação robusta, a plataforma se tornou um espaço onde discursos de ódio, desinformação e teorias da conspiração podem prosperar. Para muitos, isso é lamentável e representa uma degradação do que o Twitter já foi: um espaço vibrante para discussões informadas e diálogos produtivos.

Ao refletir sobre a trajetória de Elon Musk em outros setores, é inegável sua genialidade como empreendedor e inovador. No entanto, sua participação na transformação de uma rede social em um palco para visões políticas pessoais e a promoção de conflitos sugere uma falta de compreensão ou, talvez, uma desconsideração pelos valores que fizeram do Twitter um espaço único e relevante. A mudança para “X” é uma amostra de como a visão de um único indivíduo pode impactar milhões, e de como as plataformas de mídia social moldam não apenas o discurso público, mas também as próprias relações humanas em um mundo cada vez mais digitalizado.

Concluindo, a transição do Twitter para “X” reflete tanto as ambições pessoais de Elon Musk quanto as complexidades e desafios do cenário digital contemporâneo. Para muitos usuários, a mudança é um afastamento dos valores originais da plataforma e um movimento em direção a um futuro incerto, onde o conflito e a polarização parecem ser as novas normas.

Mauro Nascimento 

A ficcionalização de Santo Agostinho em “Vita Brevis” e o perigo da desinformação histórica 

Vita Brevis: A vida é breve: carta de Flórida Emília a Aurélio Agostinho em Portugal” é uma obra de Jostein Gaarder que se apresenta como uma narrativa ficcional baseada na descoberta de um suposto “Codex Floriae” – uma coleção de cartas da mãe do filho de Santo Agostinho, identificada como Flória Emília. Segundo o autor (Jostein Gaarder), esse códice foi encontrado em um sebo em Buenos Aires e apresenta uma perspectiva inédita e pessoal da relação entre Agostinho e Flória Emília, expressando a insatisfação e discordância dela em relação ao abandono por parte de Agostinho e sua conversão ao ascetismo.

No entanto, a autenticidade do “Codex Floriae” nunca é apresentada ou provada, revelando-se um mero recurso literário. O livro é claramente classificado como ficção tanto pela editora quanto pelas livrarias, e Jostein Gaarder, conhecido por seu trabalho em filosofia popular e literatura juvenil, não tem reconhecimento como tradutor de obras em latim ou como historiador especializado em Patrística. Isso levanta preocupações sobre a percepção pública da obra e a possível confusão que pode causar, especialmente para leitores que não têm familiaridade com a vida e obra de Agostinho de Hipona.

Uma análise mais aprofundada revela que o livro se equivoca gravemente ao atribuir a separação de Agostinho e sua concubina ao ascetismo do santo. Segundo as “Confissões” de Agostinho, especificamente no Livro VI, a verdadeira causa da separação foi um arranjo matrimonial que prometia vantagens financeiras e sociais significativas para Agostinho. Essa decisão ocorreu bem antes de sua conversão ao cristianismo e muito antes de qualquer comprometimento sério com o ascetismo. Após a separação, Agostinho não adotou imediatamente uma vida ascética; ao contrário, ele rapidamente buscou outra concubina devido ao longo período de espera de dois anos para o casamento, já que sua noiva oficial ainda era muito jovem.

A ficcionalização da vida de Agostinho em “Vita Brevis” não só distorce eventos históricos, mas também cria uma narrativa alternativa que muitos leitores podem erroneamente aceitar como verdade. Esse fenômeno reflete um problema maior na era da informação: a dificuldade de discernir entre fato e ficção, especialmente quando uma narrativa ficcional é apresentada com elementos que sugerem autenticidade histórica. A falta de uma leitura crítica e o desconhecimento sobre a verdadeira história de Agostinho levam muitas pessoas a aceitarem essa ficção como fato.

O perigo aqui não reside apenas na perpetuação de uma história falsa, mas na formação de percepções equivocadas sobre figuras históricas importantes como Agostinho de Hipona, cujas obras e ideias moldaram profundamente o pensamento ocidental. Quando uma obra de ficção se disfarça de fato histórico, mesmo que implicitamente, há o risco de que leitores desavisados tomem liberdades criativas como verdades históricas, comprometendo uma compreensão precisa e informada da história.

Portanto, é essencial que leitores e educadores promovam uma abordagem crítica ao engajamento com obras literárias, especialmente aquelas que tratam de figuras históricas e eventos. Compreender o contexto, a intenção do autor e as classificações de gênero literário é crucial para evitar mal-entendidos. Embora a ficção tenha o direito de explorar e reinterpretar o passado, ela não deve ser confundida com história verdadeira. A vida e o pensamento de Agostinho de Hipona são complexos e merecem ser abordados com respeito e rigor histórico, sem distorções que possam desinformar ou enganar o público.

A distinção clara entre fato e ficção é essencial para preservar a integridade da compreensão histórica e garantir que figuras como Agostinho sejam vistas à luz de seus contextos e realidades, não através de lentes ficcionais que obscurecem e distorcem a verdade.

Mauro Nascimento

Referências:

AGOSTINHO, Santo. Confissões/tradução do latim e prefácio de Lorenzo Mammi. 1ª ed. – São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2017.

GAARDER, Jostein. Vita brevis: a carta de Flória Emília para Aurélio Agostinho. Companhia das Letras, 2003.

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Por Mauro Nascimento