Katholikos

Catolicismo de maneira inclusiva

Papa Francisco: quando a simplicidade toca o infinito

As notícias vindas do Vaticano sobre a saúde do Papa Francisco despertaram uma comoção singular. Diferente das ocasiões anteriores em que esteve hospitalizado, desta vez as emoções parecem mais intensas e profundas. Não houve quem admirasse ou amasse o pontífice que não tenha sentido o peso das circunstâncias ou vertido algumas lágrimas. Entre tantas personalidades públicas, é raro encontrar alguém cuja vulnerabilidade toque tantas pessoas de forma tão pessoal.

O que faz de Francisco um símbolo tão poderoso e inspirador? Talvez seja sua simplicidade, seu comprometimento com o Evangelho vivido, longe de formalismos, mas profundamente enraizado na solidariedade e no amor pelos oprimidos. Não é apenas o líder da Igreja Católica; é um homem que transcende os dogmas e se coloca ao lado da humanidade, com todas as suas dores, fraquezas e esperanças.

Papa Francisco nos lembra as pessoas queridas que passaram por nossas vidas e deixaram marcas profundas: pais, mães, avós, amigos que, em sua simplicidade, nos ensinaram que a vida vale a pena. Sua figura evoca uma memória coletiva de afeto e bondade, que transcende sua posição e se enraíza na essência de sua humanidade. Ele é como aquele amigo ou parente próximo cuja presença torna o mundo mais leve e mais significativo.

É extraordinário pensar no impacto de alguém que, em poucos anos de pontificado, transformou tanto. Não apenas reformou estruturas institucionais ou discursou sobre temas urgentes, mas nos lembrou, acima de tudo, do essencial: a coragem de ser humano, muito humano, diante de um mundo que muitas vezes despreza a fragilidade e exalta a indiferença.

Neste momento de incerteza e preocupação, é impossível não sentir orgulho e gratidão por sua trajetória. Sua liderança vai além da esfera religiosa. Francisco é um exemplo vivo de que é possível viver o Evangelho na simplicidade, com leveza, e ao mesmo tempo ser radical na escolha pela justiça e pela solidariedade.

Que Deus o ampare e lhe dê forças nesse momento. E que sua luz continue a nos inspirar a sermos mais humanos, mais solidários e mais conscientes das escolhas que fazemos. Afinal, como ele mesmo nos ensina, a verdadeira revolução começa no coração.

Mauro Nascimento

30 de janeiro – Santa Jacinta Mariscotti, virgem romana

Santa Jacinta Mariscotti, Domenico Corvi

Quando a pessoa é bonita, rica, além de nobre, pensa poder ter tudo. Assim também pensava Clarice, filha dos príncipes Marescotti de Vignanello: desde criança, sonhava ter uma vida confortável e um bom casamento, mas estes não eram os planos do Senhor para ela. No entanto, achava que seria possível: conheceu um jovem marquês, Capizucchi, do qual se apaixonou. Mas, muito cedo, coube-lhe o destino de se casar com sua irmã mais nova, Ortênsia.

Uma vocação forçada

A decepção de Clarice foi tão grande, que decidiu não perdoar o pai, por ter preferido sua irmã, e começou a tornar a sua vida impossível. Em contrapartida, o príncipe mandou-o para o Mosteiro de São Bernardino, em Viterbo, onde havia estudado quando criança e onde outra sua irmã, Genebra, tinha se tornado religiosa. Clarice, porém, não desanimou: recebeu o nome de Jacinta, submeteu-se à vida de oração comunitária, professou o voto de castidade, tornando-se Terciária franciscana para não ficar enclausurada.

Mas, Jacinta não era feita para os votos de obediência e pobreza. Por isso, continuou a se vestir com roupas refinadas, a morar em um apartamento bem mobiliado, onde muitos amigos iam visitá-la e a ser servida por duas noviças. De fato era nobre e, como tal, queria continuar vivendo.

De adolescente obstinada a uma grande Santa

Jacinta viveu assim por 15 anos, apesar dos seus escândalos. Depois, adoeceu seriamente e entendeu que o Senhor, paciente, a aguardava no sofrimento da doença. E o invocou: “Ó Deus, eu vos suplico, dai sentido à minha vida, dai-me esperança, dai-me a salvação”! Tendo-se restabelecido da enfermidade, pediu perdão às coirmãs e se despojou de tudo.

Os 24 anos seguintes da sua existência foram anos de privações e de doação ao próximo, sobretudo aos pobres e enfermos. Graças à ajuda financeira dos velhos amigos, conseguiu dirigir da clausura as obras de dois institutos de assistência social: os “Sacconi” – assim eram chamados os coirmãos, que usavam sacos de estopa durante seu serviço – os enfermeiros que ajudavam os doentes; e os “Oblatos de Maria”, que levavam conforto aos idosos e abandonados. Tudo o que recebia, oferecia aos pobres. Seu exemplo levou muitos a retornarem à fé, da qual tinham se distanciado.

Morte em odor da santidade

Jacinta faleceu em 1640 e, imediatamente, foi venerada pelo povo como Santa, especialmente entre os que haviam sido grandes pecadores e, depois, convertidos pela graça.

Durante o velamento, todos queriam levar um pedaço da sua roupa como relíquia. Por isso, seu corpo teve que ser revestido três vezes.

O Papa Pio VII presidiu à sua canonização em 1807.

Fonte: Vatican News. Acesso em: 30 jan. 2025.

 

Em poucas palavras: o que é uma nomeação “in pectore”?

A nomeação “in pectore” (expressão latina que significa “no peito” ou “no coração”) é um termo usado no contexto da Igreja Católica para se referir à nomeação de um cardeal pelo Papa, cuja identidade não é divulgada publicamente no momento da nomeação. Essa prática é rara e ocorre em circunstâncias especiais, geralmente para proteger o nomeado ou evitar conflitos em situações delicadas, como perseguições políticas, religiosas ou em países onde a Igreja enfrenta restrições.

O Papa tem a autoridade de manter o nome do cardeal em segredo até que considere apropriado revelá-lo. No entanto, é importante destacar que, de acordo com as normas da Igreja Católica, uma nomeação “in pectore” só é válida enquanto o Papa que a fez estiver vivo. Se o Papa morrer antes de divulgar a identidade do cardeal nomeado, a nomeação perde seu efeito, pois só ele conhecia a identidade da pessoa escolhida. Sem essa revelação formal, não há como confirmar ou validar a nomeação.

No filme Conclave (2024), há uma representação incorreta desse conceito, sugerindo que uma nomeação “in pectore” poderia permanecer válida ao ser anunciada por um religioso mesmo após a morte do Papa. Essa abordagem não está de acordo com a realidade canônica. A nomeação “in pectore” é um ato pessoal do Papa, e sua validade depende exclusivamente dele. Se ele não revelar a identidade do cardeal antes de sua morte, a nomeação é considerada nula. Essa liberdade artística ou erro no filme pode ser entendida como uma dramatização para fins narrativos, mas não reflete a prática real da Igreja.

Essa prática foi usada algumas vezes na história da Igreja, como durante o pontificado de São João Paulo II, que nomeou vários cardeais “in pectore“. No entanto, em todos os casos, a nomeação só teve efeito quando o Papa revelou a identidade dos nomeados durante seu pontificado.

Mauro Nascimento 

Referências:

CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/cod-iuris-canonici/portuguese/codex-iuris-canonici_po.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2025.

MIRANDA, M. F. O Colégio Cardinalício e a Eleição Papal. São Paulo: Edições Paulinas, 2005.

NOLLET, J. Os Cardeais e o Conclave: História e Funcionamento. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2010.

OS CARDEAIS DA SANTA IGREJA ROMANA SEGUNDO O CÓDIGO CANÔNICO LATINO DE 1983. Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2018-06/cardeais-santa-igreja-romana-segundo-codigo-direito-canonico.html>. Acesso em: 22 jan. 2025.

A infalibilidade papal em poucas palavras: origem, desenvolvimento histórico e definição dogmática

A infalibilidade papal é um dogma da Igreja Católica que ensina que o Papa, quando fala de maneira solene e oficial sobre questões de fé ou moral (o que chamamos de falar “ex cathedra“), está protegido de cometer erros por ação do Espírito Santo. Isso não quer dizer que o Papa seja perfeito em tudo o que faz ou diz no dia a dia, mas que, em momentos específicos e importantes, ele não erra ao ensinar sobre assuntos essenciais para a fé católica.

Como essa ideia surgiu e se desenvolveu?

  1. Base nas Sagradas Escrituras: a ideia da infalibilidade papal tem raízes nas Sagradas Escrituras, especialmente em uma passagem do Evangelho de Mateus (16, 18-19), onde Jesus diz a Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Para o católico apostólico romano, isso significa que Pedro foi o primeiro Papa e que a Igreja teria uma garantia divina para não se desviar da verdade em questões fundamentais.
  2. Primeiros séculos da Igreja: Nos primeiros anos do cristianismo, o bispo de Roma (o Papa) foi ganhando cada vez mais autoridade, principalmente em assuntos de doutrina. Por exemplo, decisões importantes tomadas em concílios, como o Concílio de Niceia (325 d.C.), precisavam da confirmação do Papa para serem válidas.
  3. Idade Média: na Idade Média, o poder do Papa cresceu muito, e pensadores como Tomás de Aquino começaram a discutir a ideia de que o Papa poderia ser guiado por Deus para não errar em questões de fé. No entanto, a infalibilidade ainda não havia sido oficialmente definida como um dogma da Igreja.
  4. Concílio Vaticano I (1869-1870): foi só no século XIX, durante o Concílio Vaticano I, que a infalibilidade papal foi oficialmente declarada como um dogma da Igreja, sob o Papa Pio IX. O documento “Pastor Aeternus” afirmou que o Papa, ao falar “ex cathedra“, tem a “infalibilidade que Jesus quis que sua Igreja tivesse”. Essa decisão foi uma resposta aos desafios da época, como o secularismo e o racionalismo, que questionavam a autoridade da Igreja.
  5. Séculos XX e XXI: depois do Concílio Vaticano I, a infalibilidade papal foi usada poucas vezes. Um exemplo famoso foi em 1950, quando o Papa Pio XII declarou que Maria, mãe de Jesus, foi levada ao céu de corpo e alma (a Assunção de Maria, Assunção de Nossa Senhora). Já o Concílio Vaticano II (1962-1965) reafirmou a doutrina, mas destacou que o Papa exerce sua autoridade junto com os bispos, em comunhão com toda a Igreja.

Portanto, a infalibilidade papal é um dogma que afirma que o Papa, em situações especiais, é guiado por Deus para não errar ao ensinar sobre fé e moral. Essa ideia foi se desenvolvendo ao longo dos séculos e foi oficializada no século XIX, sendo mantida até os dias de hoje.

Mauro Nascimento

Referências:

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Tradução de Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001-2006. (Coleção completa em vários volumes).

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html>. Acesso em: 20 jan. 2025.

CONCÍLIO VATICANO I. Constituição dogmática Pastor Aeternus. 1870. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/hist_councils/i-vatican-council/documents/vat-i_const_18700718_pastor-aeternus_it.html>. Acesso em: 20 jan. 2025.

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição dogmática Lumen Gentium. 1964. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html>. Acesso em: 20 jan. 2025.

OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de. Infalibilidade papal: história e teologia. São Paulo: Paulinas, 2005.

SESBOÜÉ, Bernard. A infalibilidade na Igreja: doutrina e história. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Loyola, 2004.

Você também se sente culpado por descansar?

Na sociedade contemporânea, existe um paradoxo curioso que permeia nossa relação com o tempo: quanto mais ferramentas temos para otimizar nossas tarefas, menos tempo parece nos sobrar. E quando finalmente encontramos um momento para descansar, somos assombrados por um sentimento peculiar de culpa, como se o próprio ato de pausar fosse uma transgressão contra nossa produtividade.

Este fenômeno não é mera coincidência, mas sim o reflexo de uma cultura que transformou a produtividade constante em uma virtude moral. O capitalismo moderno, aliado às tecnologias que nos mantêm constantemente conectados, criou um ambiente onde o “fazer” se tornou mais valorizado que o “ser”. Neste contexto, o descanso deixou de ser visto como uma necessidade biológica e passou a ser interpretado como um sinal de fraqueza ou, pior ainda, de preguiça.

O ritmo frenético de nossas vidas se assemelha a uma esteira em velocidade máxima, onde corremos incessantemente sem necessariamente chegar a algum lugar. Reuniões se sobrepõem a compromissos, notificações interrompem momentos de concentração, e a lista de tarefas parece se multiplicar mesmo quando dormimos. Este ciclo vicioso nos condicionou a um estado de alerta permanente, onde o próprio cérebro se recusa a desacelerar.

Quando finalmente nos permitimos uma pausa, seja forçada por exaustão ou planejada, o sentimento de culpa emerge como um fantasma familiar. “Será que não estou esquecendo algo importante?”, “Deveria estar aproveitando este tempo para adiantar aquele projeto?”, “Os outros estão trabalhando enquanto descanso?” – são perguntas que ecoam em nossa mente, envenenando momentos que deveriam ser de recuperação e paz.

Esta culpa do descanso revela uma distorção profunda em nossa compreensão sobre produtividade e bem-estar. Ignoramos que o descanso não é apenas uma pausa no trabalho, mas um componente essencial para nossa criatividade, produtividade e saúde mental. Os momentos de pausa são fundamentais para a consolidação de memórias, processamento de experiências e regeneração física e mental.

A natureza nos oferece exemplos claros desta necessidade: as estações do ano alternam períodos de crescimento e repouso, os animais hibernam, e até mesmo o solo precisa de períodos de pousio para manter sua fertilidade. Por que, então, nos convencemos de que podemos funcionar em um estado perpétuo de atividade?

É urgente reconhecermos que esta “cultura da pressa constante” está nos adoecendo. O aumento nos casos de burnout, ansiedade e depressão são sinais claros de que nosso modelo atual é insustentável. Precisamos reaprender a descansar sem culpa, compreendendo que o descanso não é um privilégio, mas uma necessidade fundamental.

A solução passa por uma mudança profunda de mentalidade. Precisamos desconstruir a ideia de que nosso valor está atrelado à nossa produtividade. O descanso precisa ser reintegrado em nossa rotina não como uma recompensa pelo trabalho, mas como parte integral de um ciclo saudável de vida.

Talvez seja hora de nos perguntarmos: quanto desta pressa é realmente necessária? Quanto deste sentimento de culpa é realmente nosso, e quanto foi imposto por um sistema que prospera com nossa exaustão? O verdadeiro progresso talvez não esteja em fazer mais coisas em menos tempo, mas em recuperar nossa capacidade de existir plenamente no momento presente, seja ele de ação ou de repouso.

O desafio está posto: precisamos reaprender a desacelerar, a respirar, a contemplar. Precisamos redescobrir o valor do ócio, do descanso regenerador e da pausa consciente. Só assim poderemos romper com este ciclo vicioso de aceleração constante e culpa, encontrando um ritmo de vida mais sustentável e humanizado.

Mauro Nascimento

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Por Mauro Nascimento