Katholikos

Catolicismo de maneira inclusiva

Em poucas palavras: o que é uma nomeação “in pectore”?

A nomeação “in pectore” (expressão latina que significa “no peito” ou “no coração”) é um termo usado no contexto da Igreja Católica para se referir à nomeação de um cardeal pelo Papa, cuja identidade não é divulgada publicamente no momento da nomeação. Essa prática é rara e ocorre em circunstâncias especiais, geralmente para proteger o nomeado ou evitar conflitos em situações delicadas, como perseguições políticas, religiosas ou em países onde a Igreja enfrenta restrições.

O Papa tem a autoridade de manter o nome do cardeal em segredo até que considere apropriado revelá-lo. No entanto, é importante destacar que, de acordo com as normas da Igreja Católica, uma nomeação “in pectore” só é válida enquanto o Papa que a fez estiver vivo. Se o Papa morrer antes de divulgar a identidade do cardeal nomeado, a nomeação perde seu efeito, pois só ele conhecia a identidade da pessoa escolhida. Sem essa revelação formal, não há como confirmar ou validar a nomeação.

No filme Conclave (2024), há uma representação incorreta desse conceito, sugerindo que uma nomeação “in pectore” poderia permanecer válida ao ser anunciada por um religioso mesmo após a morte do Papa. Essa abordagem não está de acordo com a realidade canônica. A nomeação “in pectore” é um ato pessoal do Papa, e sua validade depende exclusivamente dele. Se ele não revelar a identidade do cardeal antes de sua morte, a nomeação é considerada nula. Essa liberdade artística ou erro no filme pode ser entendida como uma dramatização para fins narrativos, mas não reflete a prática real da Igreja.

Essa prática foi usada algumas vezes na história da Igreja, como durante o pontificado de São João Paulo II, que nomeou vários cardeais “in pectore“. No entanto, em todos os casos, a nomeação só teve efeito quando o Papa revelou a identidade dos nomeados durante seu pontificado.

Mauro Nascimento 

Referências:

CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/cod-iuris-canonici/portuguese/codex-iuris-canonici_po.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2025.

MIRANDA, M. F. O Colégio Cardinalício e a Eleição Papal. São Paulo: Edições Paulinas, 2005.

NOLLET, J. Os Cardeais e o Conclave: História e Funcionamento. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2010.

OS CARDEAIS DA SANTA IGREJA ROMANA SEGUNDO O CÓDIGO CANÔNICO LATINO DE 1983. Disponível em: <https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2018-06/cardeais-santa-igreja-romana-segundo-codigo-direito-canonico.html>. Acesso em: 22 jan. 2025.

A infalibilidade papal em poucas palavras: origem, desenvolvimento histórico e definição dogmática

A infalibilidade papal é um dogma da Igreja Católica que ensina que o Papa, quando fala de maneira solene e oficial sobre questões de fé ou moral (o que chamamos de falar “ex cathedra“), está protegido de cometer erros por ação do Espírito Santo. Isso não quer dizer que o Papa seja perfeito em tudo o que faz ou diz no dia a dia, mas que, em momentos específicos e importantes, ele não erra ao ensinar sobre assuntos essenciais para a fé católica.

Como essa ideia surgiu e se desenvolveu?

  1. Base nas Sagradas Escrituras: a ideia da infalibilidade papal tem raízes nas Sagradas Escrituras, especialmente em uma passagem do Evangelho de Mateus (16, 18-19), onde Jesus diz a Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Para o católico apostólico romano, isso significa que Pedro foi o primeiro Papa e que a Igreja teria uma garantia divina para não se desviar da verdade em questões fundamentais.
  2. Primeiros séculos da Igreja: Nos primeiros anos do cristianismo, o bispo de Roma (o Papa) foi ganhando cada vez mais autoridade, principalmente em assuntos de doutrina. Por exemplo, decisões importantes tomadas em concílios, como o Concílio de Niceia (325 d.C.), precisavam da confirmação do Papa para serem válidas.
  3. Idade Média: na Idade Média, o poder do Papa cresceu muito, e pensadores como Tomás de Aquino começaram a discutir a ideia de que o Papa poderia ser guiado por Deus para não errar em questões de fé. No entanto, a infalibilidade ainda não havia sido oficialmente definida como um dogma da Igreja.
  4. Concílio Vaticano I (1869-1870): foi só no século XIX, durante o Concílio Vaticano I, que a infalibilidade papal foi oficialmente declarada como um dogma da Igreja, sob o Papa Pio IX. O documento “Pastor Aeternus” afirmou que o Papa, ao falar “ex cathedra“, tem a “infalibilidade que Jesus quis que sua Igreja tivesse”. Essa decisão foi uma resposta aos desafios da época, como o secularismo e o racionalismo, que questionavam a autoridade da Igreja.
  5. Séculos XX e XXI: depois do Concílio Vaticano I, a infalibilidade papal foi usada poucas vezes. Um exemplo famoso foi em 1950, quando o Papa Pio XII declarou que Maria, mãe de Jesus, foi levada ao céu de corpo e alma (a Assunção de Maria, Assunção de Nossa Senhora). Já o Concílio Vaticano II (1962-1965) reafirmou a doutrina, mas destacou que o Papa exerce sua autoridade junto com os bispos, em comunhão com toda a Igreja.

Portanto, a infalibilidade papal é um dogma que afirma que o Papa, em situações especiais, é guiado por Deus para não errar ao ensinar sobre fé e moral. Essa ideia foi se desenvolvendo ao longo dos séculos e foi oficializada no século XIX, sendo mantida até os dias de hoje.

Mauro Nascimento

Referências:

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Tradução de Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001-2006. (Coleção completa em vários volumes).

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/prima-pagina-cic_po.html>. Acesso em: 20 jan. 2025.

CONCÍLIO VATICANO I. Constituição dogmática Pastor Aeternus. 1870. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/hist_councils/i-vatican-council/documents/vat-i_const_18700718_pastor-aeternus_it.html>. Acesso em: 20 jan. 2025.

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição dogmática Lumen Gentium. 1964. Disponível em: <https://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html>. Acesso em: 20 jan. 2025.

OLIVEIRA, Pedro Ribeiro de. Infalibilidade papal: história e teologia. São Paulo: Paulinas, 2005.

SESBOÜÉ, Bernard. A infalibilidade na Igreja: doutrina e história. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Loyola, 2004.

Você também se sente culpado por descansar?

Na sociedade contemporânea, existe um paradoxo curioso que permeia nossa relação com o tempo: quanto mais ferramentas temos para otimizar nossas tarefas, menos tempo parece nos sobrar. E quando finalmente encontramos um momento para descansar, somos assombrados por um sentimento peculiar de culpa, como se o próprio ato de pausar fosse uma transgressão contra nossa produtividade.

Este fenômeno não é mera coincidência, mas sim o reflexo de uma cultura que transformou a produtividade constante em uma virtude moral. O capitalismo moderno, aliado às tecnologias que nos mantêm constantemente conectados, criou um ambiente onde o “fazer” se tornou mais valorizado que o “ser”. Neste contexto, o descanso deixou de ser visto como uma necessidade biológica e passou a ser interpretado como um sinal de fraqueza ou, pior ainda, de preguiça.

O ritmo frenético de nossas vidas se assemelha a uma esteira em velocidade máxima, onde corremos incessantemente sem necessariamente chegar a algum lugar. Reuniões se sobrepõem a compromissos, notificações interrompem momentos de concentração, e a lista de tarefas parece se multiplicar mesmo quando dormimos. Este ciclo vicioso nos condicionou a um estado de alerta permanente, onde o próprio cérebro se recusa a desacelerar.

Quando finalmente nos permitimos uma pausa, seja forçada por exaustão ou planejada, o sentimento de culpa emerge como um fantasma familiar. “Será que não estou esquecendo algo importante?”, “Deveria estar aproveitando este tempo para adiantar aquele projeto?”, “Os outros estão trabalhando enquanto descanso?” – são perguntas que ecoam em nossa mente, envenenando momentos que deveriam ser de recuperação e paz.

Esta culpa do descanso revela uma distorção profunda em nossa compreensão sobre produtividade e bem-estar. Ignoramos que o descanso não é apenas uma pausa no trabalho, mas um componente essencial para nossa criatividade, produtividade e saúde mental. Os momentos de pausa são fundamentais para a consolidação de memórias, processamento de experiências e regeneração física e mental.

A natureza nos oferece exemplos claros desta necessidade: as estações do ano alternam períodos de crescimento e repouso, os animais hibernam, e até mesmo o solo precisa de períodos de pousio para manter sua fertilidade. Por que, então, nos convencemos de que podemos funcionar em um estado perpétuo de atividade?

É urgente reconhecermos que esta “cultura da pressa constante” está nos adoecendo. O aumento nos casos de burnout, ansiedade e depressão são sinais claros de que nosso modelo atual é insustentável. Precisamos reaprender a descansar sem culpa, compreendendo que o descanso não é um privilégio, mas uma necessidade fundamental.

A solução passa por uma mudança profunda de mentalidade. Precisamos desconstruir a ideia de que nosso valor está atrelado à nossa produtividade. O descanso precisa ser reintegrado em nossa rotina não como uma recompensa pelo trabalho, mas como parte integral de um ciclo saudável de vida.

Talvez seja hora de nos perguntarmos: quanto desta pressa é realmente necessária? Quanto deste sentimento de culpa é realmente nosso, e quanto foi imposto por um sistema que prospera com nossa exaustão? O verdadeiro progresso talvez não esteja em fazer mais coisas em menos tempo, mas em recuperar nossa capacidade de existir plenamente no momento presente, seja ele de ação ou de repouso.

O desafio está posto: precisamos reaprender a desacelerar, a respirar, a contemplar. Precisamos redescobrir o valor do ócio, do descanso regenerador e da pausa consciente. Só assim poderemos romper com este ciclo vicioso de aceleração constante e culpa, encontrando um ritmo de vida mais sustentável e humanizado.

Mauro Nascimento

Do local ao universal: Fernanda Torres e a cultura que o mundo precisa ver

A cultura é como o ar que respiramos: está tão presente em nossas vidas que muitas vezes não a percebemos. Somos cegos para a nossa própria cultura, para as nuances que nos definem, para as histórias que nos moldam. No entanto, paradoxalmente, ansiamos que o mundo veja o que estamos criando, que reconheça o valor do que produzimos. Esse contraste entre a invisibilidade interna e o desejo de visibilidade externa ganhou um novo capítulo com a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro de 2024, como “Melhor Atriz em Filme de Drama” por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”.

Fernanda Torres não apenas fez história ao se tornar a primeira brasileira (entre homens e mulheres) a conquistar o prêmio, mas também trouxe à tona uma reflexão sobre o lugar da arte e da cultura brasileira no cenário global. Sua vitória não é apenas um triunfo pessoal, mas um lembrete de que a arte transcende fronteiras, idiomas e preconceitos. Ao competir com nomes como Nicole Kidman, Angelina Jolie e Kate Winslet, ela mostrou que a excelência artística não tem nacionalidade, mas, ao mesmo tempo, carrega consigo a essência de onde vem.

O Globo de Ouro para Fernanda Torres em si é um feito e tanto que merece comemoração. Ela é a quarta mulher a ganhar o troféu por performance em língua não inglesa em produções internacionais. Três são europeias. Apenas Fernanda Torres é de outro continente. Esse dado não é apenas estatístico; é simbólico. Ele revela a raridade e a importância de sua conquista, especialmente em um cenário global que ainda tende a privilegiar narrativas e rostos familiares, muitas vezes europeus ou norte-americanos. Fernanda, com sua vitória, quebra barreiras geográficas e culturais, mostrando que a excelência artística não está confinada a um único eixo cultural.

Em seu discurso, Fernanda dedicou o prêmio à sua mãe, Fernanda Montenegro, e falou sobre a durabilidade da arte, mesmo em tempos difíceis. Suas palavras reverberam uma “verdade universal”: a arte é um refúgio, um espelho e uma ferramenta de resistência. Ela não apenas nos ajuda a sobreviver, mas também a entender quem somos e o que podemos ser. Ao mencionar filmes como “O Auto da Compadecida 2” e “Manas”, Fernanda fez um chamado para que valorizemos nossa própria produção cultural, para que tenhamos orgulho dos nossos artistas e escritores.

No entanto, essa valorização não é algo que acontece naturalmente. Muitas vezes, somos cegos para a riqueza da nossa própria cultura, preferindo consumir o que vem de fora, como se o estrangeiro fosse, por definição, superior. Esse complexo de inferioridade cultural é um fenômeno antigo e persistente, especialmente em países como o Brasil, que historicamente lutam para afirmar sua identidade em um mundo dominado por narrativas estrangeiras. Fernanda Torres, ao ganhar um Globo de Ouro, nos lembra que não há razão para esse sentimento de inferioridade. Nossa cultura é vibrante, diversa e potente. O que falta, talvez, é olharmos para ela com os mesmos olhos com que esperamos que o mundo a veja.

A vitória de Fernanda também nos convida a refletir sobre o papel da arte em um mundo cada vez mais fragmentado e assustador. Em tempos de incerteza, medo e polarização, a arte surge como um espaço de diálogo, de empatia e de esperança. “Ainda Estou Aqui”, o filme que rendeu a Fernanda o prêmio, é um exemplo disso. Ele não apenas conta uma história, mas também nos convida a pensar sobre como sobreviver e encontrar significado em meio ao caos. Essa é a magia da arte: ela nos transforma, mesmo quando não percebemos.

Por fim, a conquista de Fernanda Torres é um chamado à ação. Um chamado para que valorizemos nossos artistas, para que consumamos nossa própria cultura, para que tenhamos orgulho do que somos e do que criamos. E, acima de tudo, é um lembrete de que a arte não é um luxo, mas uma necessidade. Ela nos ajuda a ver o que está diante de nós, mesmo quando estamos cegos. E, talvez, seja essa a maior lição que podemos tirar dessa vitória histórica: a arte nos abre os olhos, tanto para o mundo quanto para nós mesmos.

Que Fernanda Torres seja não apenas uma celebrada vencedora do Globo de Ouro, mas também um farol que nos guie para uma maior apreciação da nossa própria cultura. Afinal, como ela mesma disse, “vamos ter orgulho dos nossos artistas”. E, ao fazê-lo, talvez possamos finalmente ver o que sempre esteve diante de nossos olhos.

Mauro Nascimento

Qual a diferença entre espórtula e dízimo?

Vejamos em primeiro lugar o que é a espórtula. Também chamada com o nome de estipêndio, ela é o pagamento de uma quantia, normalmente estipulada pela Diocese do lugar, para a celebração da Santa Missa aplicada à determinada intenção de um fiel. Porém, precisamos entender que não se trata de pagar pelo sacramento, cujo valor é incalculável. Como indica o Código de Direito Canônico, trata-se dos gastos da celebração do culto (como as reformas do templo, por exemplo), da manutenção dos ministros e das obras de caridade.

Essa espórtula é muito importante, considerando estes destinos tão necessários. Veja-se o caso dos ministros, como um destes destinos: um sacerdote totalmente dedicado ao serviço de sua paróquia, por exemplo, não tem, muitas vezes, tempo para conseguir fundos e recursos para o seu próprio sustento.

A espórtula tem a finalidade de ajudá-lo nesse sentido. Da mesma maneira, muitas obras de caridade se sustentam graças às espórtulas, e algumas delas não têm outra maneira de obter recursos.

O termo “dízimo”, por sua vez, quer dizer, originalmente, o pagamento à Igreja de 10% dos ganhos de uma pessoa, como o salário, por exemplo. Mas é preciso observar que nem o Catecismo, nem o Código de Direito Canônico estipulam exatos 10%. Ambos falam da obrigação dos fiéis de “socorrer às necessidades da Igreja” (ver Cânon 222 § 1 do Código de Direito Canônico) e deixam, portanto, à decisão livre dos fiéis, a quantidade que cada um entregará.

Veja o que diz o Catecismo da Igreja Católica, n.º 2043: “Os fiéis cristãos têm ainda a obrigação de atender, cada um segundo as suas capacidades, às necessidades materiais da Igreja”.

Esta entrega, no caso do dízimo, é mensal, e seu destino mais comum é a paróquia na qual vive o fiel, mas não necessariamente uma paróquia. Os católicos também podem contribuir, através do dízimo, com outras instituições da Igreja, como são os movimentos eclesiais, obras de caridade ou associações católicas das quais participam.

Portanto, todo cristão está convidado a assumir essa responsabilidade, e contribuir, seja com o dízimo ou com as espórtulas, com a Igreja, segundo a largueza e generosidade do próprio coração, como nos diz São Paulo: “Dê cada um conforme o impulso do seu coração, sem tristeza nem constrangimento” (2Cor 9,7).

Fonte: A12. Acesso em: 03 jan. 2025.

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Por Mauro Nascimento