A cultura é como o ar que respiramos: está tão presente em nossas vidas que muitas vezes não a percebemos. Somos cegos para a nossa própria cultura, para as nuances que nos definem, para as histórias que nos moldam. No entanto, paradoxalmente, ansiamos que o mundo veja o que estamos criando, que reconheça o valor do que produzimos. Esse contraste entre a invisibilidade interna e o desejo de visibilidade externa ganhou um novo capítulo com a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro de 2024, como “Melhor Atriz em Filme de Drama” por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”.

Fernanda Torres não apenas fez história ao se tornar a primeira brasileira (entre homens e mulheres) a conquistar o prêmio, mas também trouxe à tona uma reflexão sobre o lugar da arte e da cultura brasileira no cenário global. Sua vitória não é apenas um triunfo pessoal, mas um lembrete de que a arte transcende fronteiras, idiomas e preconceitos. Ao competir com nomes como Nicole Kidman, Angelina Jolie e Kate Winslet, ela mostrou que a excelência artística não tem nacionalidade, mas, ao mesmo tempo, carrega consigo a essência de onde vem.

O Globo de Ouro para Fernanda Torres em si é um feito e tanto que merece comemoração. Ela é a quarta mulher a ganhar o troféu por performance em língua não inglesa em produções internacionais. Três são europeias. Apenas Fernanda Torres é de outro continente. Esse dado não é apenas estatístico; é simbólico. Ele revela a raridade e a importância de sua conquista, especialmente em um cenário global que ainda tende a privilegiar narrativas e rostos familiares, muitas vezes europeus ou norte-americanos. Fernanda, com sua vitória, quebra barreiras geográficas e culturais, mostrando que a excelência artística não está confinada a um único eixo cultural.

Em seu discurso, Fernanda dedicou o prêmio à sua mãe, Fernanda Montenegro, e falou sobre a durabilidade da arte, mesmo em tempos difíceis. Suas palavras reverberam uma “verdade universal”: a arte é um refúgio, um espelho e uma ferramenta de resistência. Ela não apenas nos ajuda a sobreviver, mas também a entender quem somos e o que podemos ser. Ao mencionar filmes como “O Auto da Compadecida 2” e “Manas”, Fernanda fez um chamado para que valorizemos nossa própria produção cultural, para que tenhamos orgulho dos nossos artistas e escritores.

No entanto, essa valorização não é algo que acontece naturalmente. Muitas vezes, somos cegos para a riqueza da nossa própria cultura, preferindo consumir o que vem de fora, como se o estrangeiro fosse, por definição, superior. Esse complexo de inferioridade cultural é um fenômeno antigo e persistente, especialmente em países como o Brasil, que historicamente lutam para afirmar sua identidade em um mundo dominado por narrativas estrangeiras. Fernanda Torres, ao ganhar um Globo de Ouro, nos lembra que não há razão para esse sentimento de inferioridade. Nossa cultura é vibrante, diversa e potente. O que falta, talvez, é olharmos para ela com os mesmos olhos com que esperamos que o mundo a veja.

A vitória de Fernanda também nos convida a refletir sobre o papel da arte em um mundo cada vez mais fragmentado e assustador. Em tempos de incerteza, medo e polarização, a arte surge como um espaço de diálogo, de empatia e de esperança. “Ainda Estou Aqui”, o filme que rendeu a Fernanda o prêmio, é um exemplo disso. Ele não apenas conta uma história, mas também nos convida a pensar sobre como sobreviver e encontrar significado em meio ao caos. Essa é a magia da arte: ela nos transforma, mesmo quando não percebemos.

Por fim, a conquista de Fernanda Torres é um chamado à ação. Um chamado para que valorizemos nossos artistas, para que consumamos nossa própria cultura, para que tenhamos orgulho do que somos e do que criamos. E, acima de tudo, é um lembrete de que a arte não é um luxo, mas uma necessidade. Ela nos ajuda a ver o que está diante de nós, mesmo quando estamos cegos. E, talvez, seja essa a maior lição que podemos tirar dessa vitória histórica: a arte nos abre os olhos, tanto para o mundo quanto para nós mesmos.

Que Fernanda Torres seja não apenas uma celebrada vencedora do Globo de Ouro, mas também um farol que nos guie para uma maior apreciação da nossa própria cultura. Afinal, como ela mesma disse, “vamos ter orgulho dos nossos artistas”. E, ao fazê-lo, talvez possamos finalmente ver o que sempre esteve diante de nossos olhos.

Mauro Nascimento