Catolicismo de maneira inclusiva

Categoria: Informações (Página 2 de 2)

Teologia do povo

A Teologia do Povo é uma corrente teológica que surgiu na Argentina na década de 1960, como uma resposta às injustiças sociais e políticas que afetavam a população do país e da América Latina como um todo. Essa corrente é uma variação da Teologia da Libertação, que teve origem no continente latino-americano, mas apresenta particularidades em relação a ela.

A Teologia do Povo tem como base a valorização da cultura, da piedade e da religiosidade popular da Argentina e de toda a América Latina. Ela apresenta o povo como sujeito histórico-cultural e a religiosidade popular como uma forma inculturada de fé cristã católica na população latino-americana. A análise histórico-cultural é mais valorizada do que a análise sócio-estrutural, o que significa que a corrente procura compreender a realidade a partir da história e da cultura do povo, em vez de focar apenas nas questões econômicas e políticas.

A Teologia do Povo tem uma opção preferencial pelos pobres, o que significa que a corrente se coloca ao lado daqueles que são oprimidos e excluídos socialmente. Ela tem como objetivo criar um projeto histórico de justiça e paz, que possa libertar os oprimidos de uma situação de injustiça estrutural e de violência institucionalizada.

Lucio Gera, líder da Comissão Episcopal de Pastoral (Coepal), foi o principal teólogo da Teologia do Povo. Ele foi um dos membros da equipe que elaborou o “Documento de San Miguel”, em 1969, que defendia a pastoral popular pensada não apenas para o povo, mas a partir do povo. Outros importantes colaboradores da corrente foram Justino O’Farrell, Gerardo Farrel, Rafael Tello, Alberto Sily, Fernando Boasso, Enrique Angelelli e Manuel Marengo.

A denominação “Teologia do Povo” foi utilizada pela primeira vez pelo jesuíta e teólogo da libertação Juan Luis Segundo, que foi um crítico dessa corrente. Segundo ele, a Teologia do Povo apresenta uma visão demasiadamente culturalista e pouco comprometida com as questões políticas e sociais que afetam a população latino-americana.

Apesar das críticas, a Teologia do Povo continua a ser uma corrente relevante na teologia latino-americana, que busca compreender a realidade a partir da perspectiva do povo e que se coloca ao lado dos mais pobres e excluídos. A corrente tem como objetivo contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, em que todos possam viver com dignidade e respeito.

Mauro Nascimento

Referências:

BERGOGLIO, J. M. S. (Papa Francisco). Teologia do Povo. São Paulo: Loyola, 2013.

O Papa Francisco e a Teologia do Povo – Entrevista especial com Juan Carlos Scannone. Acesso em: 25.abr. 2023.

O que é uma canonização por equipolência (equipolente)?

“Se é canonizado sem os dois milagres geralmente necessários; um para a beatificação e outro para a canonização propriamente dita. Os canonistas chamam este procedimento de ‘canonização equipolente’ (equivalente), pois ela equivale ao processo normal para declarar que determinada pessoa falecida se encontra junto de Deus, no céu, intercedendo pelos que ainda vivem na terra.

Na canonização equipolente deve-se ater a três requisitos básicos:

  1.  a prova do culto antigo ao candidato a santo,
  2.  o atestado histórico incontestável da fé católica e das virtudes do candidato,
  3.  a fama ininterrupta de milagres intermediados pelo candidato.”

Fonte: Mons. André Sampaio.

 

60ª Assembleia Geral da CNBB recebe análise da conjuntura eclesial e alerta para os desafios da polarização no país

A 60ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que acontece em Aparecida – SP, de 19 a 28 de abril de 2023, teve como destaque a análise da situação eclesial brasileira. A análise de conjuntura eclesial – INAPAZ, apresentada na assembleia, focou-se nas ameaças à comunhão eclesial representadas pela polarização sociopolítica, cultural e religiosa no Brasil nos últimos anos.

A análise é dividida em três partes: a primeira propõe um diagnóstico da polarização nos cenários externo e interno da Igreja; a segunda concentra-se na análise das oportunidades e ameaças do cenário externo e das forças e fraquezas do cenário interno, indicando elementos para um discernimento teológico-pastoral do diagnóstico da primeira parte; a terceira apresenta um prognóstico, propondo algumas pistas que contribuam para os processos de reconciliação e paz dentro do corpo eclesial, que têm repercussões na sociedade.

O diagnóstico proposto pela INAPAZ se concentra no tema da polarização, que teve, em 08/01/2023, um de seus resultados mais terríveis nos ataques aos poderes da República, embora suas raízes remontem a eventos anteriores, como as manifestações de 2013. Seu impacto no campo religioso e eclesial é evidente, mostrando o entrelaçamento mútuo entre sociedade e religião, e a força e ambiguidade do que é constitutivo desta última.

O texto destaca a importância de estudar a influência do discurso tradicionalista sobre a imaginação dominante da Igreja Católica no país, bem como, a evolução da Igreja Católica no Brasil desde a publicação do livro “Cenários de Igreja” pelo teólogo João Batista Libanio em 1999, apresentando cinco cenários para a Igreja no Brasil. No entanto, a análise de Libanio não aborda a oposição entre “conservadores” e “progressistas”, que outros autores têm se concentrado mais recentemente.

O texto apresenta as oportunidades e desafios trazidos pela polarização social e política no Brasil, que pode ser manipulada para fins contrários ao Evangelho, mas também pode ser uma oportunidade para a ação evangelizadora da Igreja, que pode aprender com o uso que foi feito da religião nos últimos anos para descobrir maneiras de se aproximar do povo e evangelizá-lo.

Por outro lado, o novo ator político, que utiliza símbolos e textos religiosos de modo fundamentalista, faz a apologia dos modelos tradicionais de relações sociais no país, tornando “naturais” preconceitos relacionados às diferenças de sexo, raça e classe social. É preciso descobrir as insatisfações, inseguranças e ressentimentos desse novo ator político e oferecer-lhe o poder curador da linguagem da fé para ajudá-lo a ler criticamente os recursos digitais e a promover o diálogo.

Por fim, o texto apresenta algumas chaves para entender a exacerbação da polarização em vários países.

A redação esteve a cargo dos PP. Boris Nef (PUC SP), Marcelo Batalioto (Dehoniana Taubaté), Geraldo De Mori (FAJE), Danilo Pinto dos Santos (CNBB). Integram a equipe do INAPAZ os demais membros: Maria Clara Bingemer (PUC Rio), Maria Ines Millen (CES, Juiz de Fora), P. Waldecir Gonzaga (PUC Rio), Frei Jorge Rocha (Salvador), P. Marcial Maçaneiro (PUC PR), P. Geraldo Harkman (Pio Brasileiro), Dom Paulo Cezar Costa (Cardeal Arcebispo de Brasília).

 

SÍNTESE DA ANÁLISE DE CONJUNTURA ECLESIAL – INAPAZ (19/04/2023)

As ameaças à comunhão eclesial no contexto de polarização sociopolítica, cultural e religiosa

Introdução

A presente análise de conjuntura eclesial trará para a reflexão da 60ª Assembleia Geral da CNNB somente a questão das ameaças à comunhão eclesial representada pela polarização sociopolítica, cultural e religiosa do Brasil nos últimos anos. Ela está dividida em três partes: a primeira propõe um diagnóstico das polarizações nos cenários externo e interno da Igreja; a segunda dedica-se à análise das oportunidades e ameaças do cenário externo, e das forças e fraquezas do cenário interno, indicando elementos para um discernimento teológico-pastoral do diagnóstico da primeira parte; a terceira apresenta um prognóstico, propondo algumas pistas que contribuam nos processos de reconciliação e paz no interior do corpo eclesial, que repercutam no seio da sociedade.

Primeira Parte – Diagnóstico

O diagnóstico aqui proposto concentra-se no tema das polarizações, que tiveram nos atentados aos poderes da República do dia 08/01/2023 um de seus desfechos mais terríveis, embora suas raízes remontem a fatos mais antigos, como as manifestações de 2013. Seu impacto no campo religioso e eclesial é evidente, mostrando a mútua imbricação entre sociedade e religião, e da força e ambiguidade do que é constitutivo desta última. Em várias ocasiões esse tema foi abordado pela Comissão de Análise de Conjuntura Sociopolítica da CNBB. Não se trata aqui de repetir o que já foi dito por essa Comissão, mas de retomar certos aspectos tratados por ela e que ajudam a compreender e a discernir o que está em jogo no acirramento da polarização na sociedade e na Igreja. Para isso, será primeiramente trazido o cenário externo, e, em seguida o cenário interno.

  1. Cenário Externo

A Igreja existe no mundo e para o mundo, no qual ela vive e exerce sua missão e do qual ela recebe impactos e influências. No caso preciso desta análise, o mundo em questão é o que compõe o contexto social, econômico, político, cultural e religioso do Brasil nos últimos tempos, fortemente tensionado por polarizações, objeto central desta análise de conjuntura eclesial. Rodrigo Nunes, professor de filosofia na PUC Rio e autor do livro Do transe à vertigem: ensaios sobre o bolsonarismo e um mundo em transição, publicado em 2022, oferece uma análise profunda sobre a gênese, o significado e as dimensões da polarização no Brasil a partir das manifestações de 2013. A apresentação do cenário externo aqui proposta será em grande parte tomada dessa obra.

1.1 A polarização como chave de compreensão do cenário externo

Uma noção de polarização surgiu nos Estados Unidos na década de 1980, referindo-se à redução da política em dois campos, liberal e conservador, associados aos partidos Democrata e Republicano, respectivamente, e implicando o desaparecimento progressivo de posições intermediárias. Este conceito ajuda a entender seu uso no Brasil, onde se tornou uma interpretação chave dos protestos de 2013, vistos como o surgimento de uma nova direita radical e organizada, devido ao ecossistema de comunicação das mídias sociais que favorece declarações extremas e a construção de personagens controversos, bem como a incapacidade do público de distinguir fontes confiáveis de suspeitas. As questões políticas por trás da polarização também estão associadas às “guerras culturais”, que se intensificaram após a queda do Muro de Berlim, com partidos social-democratas apoiando movimentos sociais minoritários, deixando a classe trabalhadora branca para se defender sozinha e ser influenciada pela pregação da extrema direita. A narrativa da extrema direita contra o “globalismo” culpou o neoliberalismo progressista por perdas causadas por três décadas de globalização e acusou os partidos que supostamente protegiam minorias de se beneficiarem de mercados desregulamentados. Os protestos de 2013 ocorreram durante o terceiro mandato do governo do Partido dos Trabalhadores, que não conseguiu redirecionar a energia da insatisfação para uma mudança construtiva e, em vez disso, buscou desacreditá-los e reprimi-los, levando à estabilização do sistema político com as forças de direita. Essa estratégia custou caro ao partido, pois o associou mais ao “sistema” e permitiu que a extrema direita se apresentasse como o legítimo depositário dos desejos anti-sistema. O movimento secundarista (2016), tendendo à esquerda, e a greve dos caminhoneiros (2018), tendendo à direita, foram tentativas de construir uma “terceira força” capaz de abrir novas direções para a política do país, mas não conseguiram atingir o mesmo nível de apoio que em 2013. A agenda anticorrupção surgiu como uma narrativa capaz de atuar de forma independente, mas fracassou, levando à polarização entre o petismo e o anti-petismo, culminando no impeachment de Dilma Rousseff, refletindo uma polarização assimétrica entre uma oposição de direita e um Partido dos Trabalhadores cada vez mais alinhado ao centro.

1.2 Matrizes, gramáticas, condições afetivas e infraestrutura da polarização

De acordo com Rodrigo Nunes, o bolsonarismo é um “projeto interclasses sustentado pela política no topo e fortes afinidades eletivas na base”. Ele é composto por “matrizes discursivas”, algumas das quais são específicas de um determinado grupo ou classe, enquanto outras são amplamente compartilhadas, mas têm significados diferentes dependendo da posição na estrutura social. Essas matrizes geram declarações, estruturas afetivas, identificação e pertencimento, formas de auto-narração e auto-entendimento. Os mais importantes são militarismo, anti-intelectualismo, empreendedorismo monetarista, libertarianismo econômico, anti-comunismo, luta contra a corrupção e conservadorismo social. A “gramática” subjacente a essas matrizes é uma “operação ideológica” que promove a confusão entre a ansiedade pela perda de direitos e o medo de perder privilégios. O bolsonarismo conseguiu reunir apoio tanto daqueles que têm poucas preocupações materiais, mas ressentem as conquistas de certos grupos, quanto daqueles que são assombrados pelo declínio de seu padrão de vida e pela perspectiva de não poder mais desfrutar dos direitos que tinham antes. O encontro entre “conservadorismo social e neoliberalismo” é gestado pela “teologia da prosperidade” das igrejas neo-pentecostais, que fornece uma justificativa divina para a acumulação de riquezas e reforça o princípio calvinista da responsabilidade individual pelo próprio sucesso material, bem como por um “neoliberalismo de cima” que sempre investiu na família como instituição disciplinar que contrabalança as tendências desintegradoras do mercado, tornando-se a rede de segurança em lugar das funções anteriormente exercidas pelo Estado (educação, saúde, bem-estar).

Os elementos da “gramática” subjacente às matrizes discursivas do bolsonarismo são individualismo, punitivismo e valorização da ordem acima da lei. Na verdade, na visão neoliberal, “há apenas indivíduos e (no máximo) suas famílias”. Qualquer mudança positiva no ambiente econômico é vista como uma conquista individual, e as agendas de mudança estrutural são vistas como tentativas de buscar algum tipo de tratamento diferencial. O punitivismo, presente entre ricos e pobres, é geralmente direcionado contra aqueles na base da pirâmide social. Individualismo e punitivismo se cruzam na noção de ordem como algo acima da lei e, em última instância, contrário a ela. Este é um dos traços fundadores da cultura brasileira, para a qual os direitos eram um privilégio daqueles que desfrutavam de um certo status.

1.3 Polarização política e manipulação da religião

O texto aborda a relação entre as matrizes discursivas e a polarização, afetos e a manipulação religiosa na política brasileira. As fontes dos afetos estão ligadas à família, pátria e Deus, e foram constantemente requisitadas nos anos que se seguiram às manifestações de 2013. O texto destaca a utilização da religião nos acampamentos que prepararam os atentados do dia 08/01/2023, com discursos contra o comunismo, pela salvação da pátria e da família, e pedindo a intervenção das forças armadas contra os que supostamente ameaçavam a ordem social. Durante seu mandato, Bolsonaro recorreu à religião para associar seu governo a um pretenso mandato divino de caráter salvacionista, contra os “corruptos” e seus inimigos identificados com a esquerda. O texto também destaca o impacto da cultura moderna no campo religioso brasileiro, tornando-o mais plural e diversificado.

  1. Cenário Interno

Para o cenário interno serão trazidos para este diagnóstico uma breve nota histórica sobre as oposições entre grupos e tendências religiosas no mundo católico no período que se seguiu ao Concílio Vaticano II, seguida de uma breve descrição sobre o impacto da polarização recente da sociedade no seio das comunidades da Igreja católica.

2.1 Nota histórica sobre a diversidade de tendências no catolicismo pós Vaticano II

O catolicismo no Brasil sempre teve diversas tendências nos grupos e movimentos que o expressavam e organizavam. Antes do Concílio Vaticano II, a Ação Católica, que buscava dialogar com o mundo moderno, era a tendência mais progressista. Em contraponto, havia grupos de ex-Congregações Marianas juvenis, marcados pela ação e escritos de Plínio Correia de Oliveira, que eram críticos da modernidade e dos esforços da Igreja em dialogar com ela. A maioria dos bispos brasileiros no Concílio era formada na teologia neoescolástica, que era antimoderna e fechada ao diálogo com o mundo. No entanto, durante o Concílio, os bispos brasileiros foram expostos à teologia e aos documentos conciliares por meio de conferências de teólogos, cardeais e bispos, que os prepararam para redigir e aprovar o Plano de Pastoral de Conjunto, responsável pela primeira recepção conciliar no país. A CNBB criou institutos nacionais para a formação de lideranças eclesiais no espírito e na teologia do Vaticano II, que ajudaram a implementar o Plano de Pastoral de Conjunto com grande criatividade em várias dioceses, dando um enorme dinamismo à pastoral.

Nas últimas décadas, alguns influencers “católicos” ganharam destaque no Brasil com suas pregações doutrinárias supostamente baseadas no magistério, atraindo grande audiência. Com a polarização social e política iniciada em 2013, algumas dessas comunidades e influencers passaram a sustentar ideologias religiosas, contribuindo para a demonização da teologia da libertação e polarização da Igreja entre católicos “progressistas” e “conservadores”. Esses influencers foram denominados de “gurus” teológicos em um relatório da escuta sinodal da Igreja do Brasil enviado à Secretaria Geral do Sínodo. Após a eleição do Papa Francisco, alguns desses influencers, apoiados por alguns cardeais, bispos, padres, seminaristas e leigos/as, começaram a se opor frontalmente ao novo Pontífice, ao Vaticano II e às Conferências Episcopais, impulsionando a polarização na Igreja.

2.2 Breve descrição da polarização no interior da Igreja na atualidade

Essa análise discute a evolução da Igreja Católica no Brasil desde a publicação do livro “Cenários de Igreja” pelo teólogo João Batista Libanio em 1999. O livro propôs quatro cenários para a Igreja no Brasil, que Libanio expandiu para cinco cenários em uma edição de 2012. Esses cenários foram “igreja institucional”, “igreja carismática”, “igreja da pregação”, “igreja da práxis libertadora” e “igreja pós-moderna fragmentada”. A análise de Libanio não aborda a oposição entre “conservadores” e “progressistas”, que outros autores têm se concentrado mais recentemente. Essa análise destaca a importância de estudar a influência do discurso tradicionalista sobre a imaginação dominante da Igreja Católica no país. Essa análise sugere que mais pesquisas são necessárias para analisar plenamente a evolução da Igreja Católica no Brasil.

Segunda Parte – Análise

O diagnóstico acima apresentado é parcial e necessita ser mais bem ilustrado com dados de pesquisa quantitativa e qualitativa. Baseado em pesquisas feitas em várias instituições que estudam a evolução da questão religiosa no Brasil, ele também é o resultado de observações empíricas, feitas por lideranças eclesiásticas e agentes de pastoral de várias partes do país, e do acompanhamento de alguns grupos e influencers com grande número de seguidores nas redes e canais de TV de inspiração católica do país. Nesta segunda parte, mais analítica, os elementos do cenário externo serão relidos sob o viés das oportunidades e desafios que levantam à missão da Igreja, e os elementos do cenário interno serão relidos enquanto forças e fraquezas para realizar a mesma missão.

  1. Cenário Externo

Do cenário externo serão trazidos nesta análise os elementos que podem ser vistos como oportunidades para a reflexão e a ação evangelizadora da Igreja, ou, pelo contra como ameaças e desafios para essa mesma missão, necessitando, por isso mesmo, de um discernimento teológico e pastoral. Para isso, a Encíclica Fratelli tutti, sobre a fraternidade e a amizade social oferece pistas que poderão iluminar esse discernimento.

1.1 Oportunidades do cenário externo para a missão evangelizadora

O texto aborda a polarização social e política no Brasil, que deu origem a um novo ator político: a extrema direita. Esse grupo utiliza símbolos religiosos e o nome de Deus para fins políticos, o que não é algo novo no país. A religião e seus símbolos ainda têm força no imaginário popular brasileiro e podem ser manipulados para fins contrários ao Evangelho. A religiosidade popular precisa de constante crítica e discernimento. Por outro lado, a manipulação da religião pode ser uma oportunidade para a ação evangelizadora da Igreja, que pode aprender com o uso que foi feito da religião nos últimos anos para descobrir maneiras de se aproximar do povo e evangelizá-lo.

1.2 Ameaças e desafios do cenário externo à missão da Igreja

Os ataques ocorridos em 8 de janeiro de 2023 às sedes dos três poderes da República brasileira foram uma demonstração da violência dos discursos baseados no ressentimento e no autoritarismo, que negam a política como busca de consensos e transformam o oponente em inimigo. Esse novo ator político, que utiliza símbolos e textos religiosos de modo fundamentalista, faz a apologia dos modelos tradicionais de relações sociais no país, tornando “naturais” preconceitos relacionados às diferenças de sexo, raça e classe social. As mídias digitais são a principal ferramenta de difusão dessas ideias e ideais. É preciso descobrir as insatisfações, inseguranças e ressentimentos desse novo ator político e oferecer-lhe o poder curador da linguagem da fé para ajudá-lo a ler criticamente os recursos digitais e a promover o diálogo.

1.3 Alguns critérios teológicos para o discernimento do cenário externo

A polarização dos últimos anos não é exclusiva do Brasil. Como observado no diagnóstico do cenário externo, a categoria de polarização tem sido utilizada desde a década de 1980 e nos últimos anos se tornou uma das chaves interpretativas para compreender as tensões entre posições sociais, políticas, culturais e religiosas em vários países. Em sua Carta Encíclica Fratelli tutti, sobre fraternidade e amizade social, o Papa Francisco oferece algumas chaves para entender a exacerbação da polarização no momento histórico atual e pistas para construir um “nós” mais reconciliado e harmonioso. O Papa adota a imagem das “sombras de um mundo fechado” em que os “sonhos” de um futuro sem guerras e mais integrado são “despedaçados” em sua leitura da realidade. Para entender isso, o Papa enfatiza a importância de pensar e gerar um mundo aberto baseado no amor universal, solidariedade, fraternidade e amizade social, que não crie muros e fronteiras. Para isso, é necessário reinventar a política, colocando-a a serviço do verdadeiro bem comum como alternativa ao populismo e liberalismo que seduzem o exercício atual da política.

        2. Cenário interno

Os elementos do cenário interno apresentados no diagnóstico serão aqui retomados enquanto podendo representar fortalezas para a ação evangelizadora da Igreja ou são reais indicadores de fraquezas para esta mesma ação, que requisitam, por isso mesmo, o discernimento da Igreja, na perspectiva de decisões pastorais a serem tomadas.

2.1 Fortalezas do cenário interno que podem potencializar a ação evangelizadora

Este texto aborda a recepção do Concílio Vaticano II no Brasil e a organização da pastoral da Igreja Católica em seis linhas de ação no Plano de Pastoral de Conjunto (PPC), que foram posteriormente transformadas em dimensões. A teologia da libertação e as experiências das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) foram consideradas um laboratório fecundo de muitas iniciativas originais, passando de uma “igreja reflexo” a uma “Igreja fonte”. A figura profética de Igreja, que fez da opção preferencial pelos pobres sua marca distintiva, traduz a principal fortaleza da Igreja desse período. A liderança e o magistério do Papa Francisco levam para o conjunto da Igreja Católica muitos dos ricos aprendizados do “laboratório” eclesial que foi vivido na América Latina e no Caribe, inspirando novas etapas da recepção do mesmo Concílio.

2.2 Fraquezas do cenário interno que demandam a reação da Igreja

            Um diagnóstico da cena interna na Igreja Católica no Brasil revela uma polarização entre a Igreja progressista e libertadora e a Igreja conservadora e tradicional, alimentada por grupos neo-tradicionalistas. Esses grupos, por meio de mídias digitais e canais de TV inspirados no catolicismo, influenciam não apenas os fiéis comuns, mas também as novas comunidades de vida, seminaristas, padres e bispos. Essa polarização tornou difícil para diferentes tendências teológico-pastorais dentro da Igreja alcançar a comunhão, e há até expressões sutis de resistência às orientações do Vaticano II. Tal resistência pode ser vista como um “cisma silencioso” dentro da Igreja, presente entre o episcopado, novos padres e jovens religiosos em formação, bem como entre muitos movimentos ecumênicos conservadores ou tradicionalistas. Essa polarização resulta na manutenção do status quo, dificultando o trabalho missionário da Igreja e bloqueando iniciativas propostas pelo Papa Francisco, como a Exortação apostólica Evangelii gaudium e o processo sinodal. As doutrinas sociais da Igreja, bem como questões relacionadas aos papéis das mulheres e ao clericalismo, têm sido lentas em serem abordadas. Essa resistência levou a uma retirada da presença e ação da Igreja na sociedade, resultando em um recuo do trabalho pastoral social e um aumento na assistência caritativa aos excluídos em vez de capacitá-los a serem sujeitos de uma sociedade inclusiva para todos. A preferência da Igreja pelos pobres torna-se meramente um ato de caridade, com os excluídos se tornando objetos de pena em vez de atores em uma sociedade mais justa.

Terceira Parte – Prognóstico

O prognóstico aqui proposto, mais que soluções mágicas, adota o caminho proposto pelo Papa Francisco para enfrentar a polarização que tem afetado não só a Igreja do Brasil, mas também a de outros países: o da sinodalidade. Após breves considerações sobre o significado desse caminho, recolhendo os aprendizados já adquiridos desde sua abertura, serão indicadas algumas propostas concretas para o discernimento do episcopado.

  1. “O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio”

Desde o início de seu ministério, o Papa Francisco tem proposto uma etapa de escuta aos vários segmentos do “povo fiel de Deus” antes da realização dos sínodos que convoca. Esse método foi utilizado em sínodos anteriores como o da família, da juventude e da Amazônia. Na missa de inauguração do sínodo com o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão”, realizada em Roma no dia 10 de outubro de 2021, o Papa Francisco refletiu sobre os três verbos que deveriam orientar o caminho sinodal: encontrar, escutar e discernir. Segundo ele, é necessário ser perito na arte do encontro para encontrar o Senhor e favorecer o encontro entre os fiéis. Para isso, é preciso ouvir as perguntas, preocupações e esperanças de cada igreja, povo e nação, assim como do mundo. É preciso estar aberto a novos caminhos sugeridos pelo Espírito Santo e não se blindar nas próprias certezas. O último verbo, discernir, mostra que o encontro e a escuta, vividos no processo sinodal, são um caminho de discernimento espiritual e eclesial, que se faz na adoração, na oração e no contato com a Palavra de Deus. Os três verbos foram experimentados em muitas dioceses do país, mas em muitos casos, a primeira etapa foi meramente formal, sem impactar a vida das igrejas locais. Em outras etapas, como a continental, realizada por regiões, foi utilizado o método da “conversação espiritual”, em que o grupo compartilha suas reações às questões levantadas pelo tema em discussão, segue-se um segundo momento em que cada participante partilha o que chamou a atenção na escuta do primeiro momento, e num terceiro momento, o grupo tenta perceber qual é o sentir comum, para onde os conduz o Espírito.

  1. Dinâmicas eclesiais e pastorais para enfrentar a polarização na Igreja

Uma análise eclesial proposta relaciona o processo de polarização, por um lado, a grupos políticos de extrema direita que manipulam a religião para alcançar seus objetivos e, por outro lado, a grupos neotradicionalistas que rejeitam o Concílio e são inspirados pelos escritos e patrimônio de Plinio Correa de Oliveira. Tais grupos, e aqueles cujas crenças religiosas e perfis ideológicos se prestam facilmente a serem manipulados por discursos fechados, precisam ser cuidadosamente atendidos pelos bispos. A Carta Encíclica Fratelli tutti e o processo sinodal iniciado em 2021 apontam para a direção que a Igreja deve seguir para contribuir para os necessários processos de reconciliação e paz na sociedade e dentro da própria Igreja. A reflexão teológica que fundamenta essas iniciativas propõe verbos como abordar, expressar, ouvir, olhar, entender e buscar terreno comum. Os três processos críticos que os bispos precisam atender são os movimentos populares religiosos, a polarização nas esferas sociais e políticas e a formação de seminaristas. Os movimentos populares religiosos precisam ser melhor monitorados, corrigidos e fundamentados em uma perspectiva bíblica. A batalha contra notícias falsas e desinformação deve ser combatida criando um observatório de mídia católica que ajudará os fiéis a discernir o que é comunicado na suposta “mídia católica”. A formação de seminaristas deve ser fortalecida para evitar a atração de crenças e estéticas neotradicionalistas que possam comprometer o futuro da Igreja.

Íntegra: Análise de conjuntura eclesial – 60ª Assembléia Geral da CNBB.

Mauro Nascimento 

Arte religiosa e arte sacra

Deve-se distinguir entre arte religiosa e arte sacra. A diferença está fundada não tanto nos caracteres intrínsecos de ambos e na inspiração de cada uma, mas no destino da obra artística. Existem obras de profunda inspiração religiosa e que, não obstante isto, não são destinadas ao culto, e portanto, não devem ser consideradas propriamente como sendo “arte sacra”.

Em geral, pode-se dizer que é arte religiosa aquela que reflete a vida religiosa do artista. A virtude da religião tende a produzir no homem uma atitude substancialmente interna, de submissão, adoração, de fé e esperança e, sobretudo, de amor a Deus. A arte religiosa deve ter esta mesma finalidade e para que isso ocorra é necessário que a arte – conservando o característica intrínseca – se subordine ao fim da religião.

A “arte sacra” é aquela arte religiosa que tem um destino de liturgia, isto é, aquela que se ordena a fomentar a vida litúrgica nos fiéis e que por isso não só deve conduzir a uma atitude religiosa genérica, mas há de ser apta a desencadear a atitude religiosa exigida pela Liturgia, quer dizer para o culto divino.

Condições da arte sacra

A arte sacra leva consigo uma série de características que é necessário reconhecer e compreender profundamente. Por exemplo, um quadro pode provocar um sentimento religioso, mas pode não ser adequado que se celebre a Santa Missa perante ele. Se os elementos que compõem a obra artística, ainda que dominados por um sentimento religioso, não estão espiritualizados em grau suficiente, se centram a atenção em demasia em um elemento sensível, puramente estético, sem elevar-se a um plano espiritual, que ajude a alguém a colocar-se diante de Deus, não deve ser tratado como arte sacra, mas sim no âmbito mais geral da arte religiosa.

Não é suficiente que a subordinação seja somente ante o tema, porque, por exemplo, o Nascimento do Senhor pode ser considerado atraente em parte sob o seu aspecto de simplicidade, ternura, etc., mas sua representação não será arte religiosa e muito menos arte sacra se não tem por intenção refletir o mistério divino que ali se manifesta, e se não eleva o espírito daqueles que o comtemplam.

A arte sacra, em suma, não só deve servir à Liturgia e respeitar os fins especificamente litúrgicos – ainda que mantendo-se fiel às suas exigências naturais como arte -, mas ademais deve expressar e favorecer à sua maneira esses fins, dirigindo a essa finalidade o prazer estético que, por sua natureza, à mesma arte lhe cabe produzir. Por isto, se o artista, além de o ser autenticamente, não está vitalmente penetrado da religiosidade geral e ao mesmo tempo da religiosidade litúrgica, não poderá produzir um obra autêntica de arte sacra.

Disto se pode deduzir uma série de consequências. A arte sacra é necessário que seja compreensível, quer dizer, que sirva de ensinamento, porque é uma “teologia em imagens”. Deve representar as verdades da fé, não de um modo arbitrário, mas de exposição do dogma cristão com a maior fidelidade possível e com sentimentos autenticamente piedosos.

Normas eclesiásticas

A atividade artística é conatural ao homem e a Igreja desde os seus começos acolheu no seu seio as manifestações artísticas. De sua vez, ao ser destinadas ao culto litúrgico, intervém a Igreja para dignificá-las e evitar abusos e elementos profanos que não se adequam ao fim da arte sacra. “A Igreja se considerou sempre, com razão, como árbitro das mesmas, discernindo, entre as obras dos artistas aquelas que estavam de acordo com a fé, a piedade e as leis religiosas tradicionais e que eram consideradas aptas para o uso sagrado” (Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 122). Assim, toma posições tanto a respeito da música (v. Canto Gregoriano), como das artes figurativas (v. Iconoclastas).

O Concílio de Trento (sess. XXV) emitiu um Decreto – saindo de encontro com a heresia iconoclasta dos calvinistas – estabelecendo uma vez mais o sentido tradicional que tem para o culto a representação das imagens de Cristo, da Virgem Maria, Mãe de Deus e dos outros santos, e também realçou o valor da instrução catequética que supõem as histórias dos mistérios da nossa redenção, representadas em pinturas e outras reproduções, ao mesmo tempo que condenava os abusos, para “que não se exponha imagem alguma de falso dogma” (Denz. Sch. 1821-1825).

Sucessivamente a hierarquia eclesiástica tem feito intervenções para dignificar a arte sacra, dado não só proibições (p. ex. a decretada pela Sagrada Congregação de Ritos, de 11 de junho de 1623, que proibiu a representação do Cristo crucificado com os braços para o alto) como também tem dado orientações concretas sobre diferentes manifestações da arte sacra. Nesta linha o motu próprio De musica sacra de S. Pio X, de 22 de novembro de 1902.

Por outro lado o Código de Direito Canônico recolheu diferentes disposições sobre a construção de Igrejas (Can. 485, 1.162, 1.164), sobre as imagens (Can. 1.2791.280, 1.385,3°), sobre os utensílios litúrgicos (can. 1.296, 3), sobre o sacrário (can. 1.268, 1.269), sobre a música (can. 1.264), sobre a guarda e vigilância do patrimônio artístico (can. 1.497, 1.522, 1.523), etc.

A Encíclica Mediator Dei dá preciosas indicações sobre a música sacra e sobre as artes em geral no culto litúrgico: «As imagens e formas modernas… não se devem desprezar nem proibir-se em geral por meros preconceitos, mas é de todo necessário que, adotando-se equilibrado meio termo entre um servil realismo e um exagerado simbolismo, com a vista mais posta em proveito da comunidade cristã que no gosto e critérios pessoais do artista, tenha livre campo a arte moderna, para que também sirva, dentro da reverência e decoros devidos aos lugares e atos litúrgicos… Por outra parte… nos sentimos precisados a ter que reprovar e condenar certas imagens e formas ultimamente introduzidas por alguns que à sua extravagância e degeneração estética unem o ofender claramente mais de uma vez ao decoro e à piedade e modéstia cristã, e ofendem ao mesmo sentimento religioso, tudo isso deve afastar-se e desterrar-se em absoluto de nossas Igrejas, e em geral, tudo o que nega a santidade do lugar» (Pio XII, Enc. Mediator Dei, 20 nov. 1947, 193-194).

Posteriormente muitos outros documentos pontifícios vieram a se referir de uma forma ou outra a arte sacra, principalmente a música (cfr. Papa Pio XII, Instrução do Santo Ofício sobre a arte sacra, 30 jun. 1952; id, Enc. Musica sacrae disciplinae, 25 dez. 1955; íd, Instrução da S. Cong. de Ritos sobre a Música e Liturgia Sagradas, 3 set. 1958, etc.).

O Concílio Vaticano II deu também um impulso e umas indicações concretas para a arte sacra: « A Igreja procura com especial interesse que os objetos sagrados sirvam ao esplendor do culto com dignidade e beleza, aceitando as mudanças de matéria, forma e ornato que o progresso da técnica introduz com o correr do tempo. Em consequência, os padres decidiram determinar acerca deste ponto o seguinte:

“A Igreja nunca considerou como próprio nenhum estilo artístico, mas, acomodando-se ao caráter e às condições dos povos e às necessidades dos diversos ritos, aceitou as formas de cada tempo, criando no curso dos séculos um tesouro artístico digno de ser conservado cuidadosamente.

Também a arte do nosso tempo e a de todos os povos e regiões há de exercer-se livremente na Igreja desde que sirva aos edifícios e ritos sagrados com a devida honra e reverência, para que possa acrescentar a sua voz àquele admirável concerto que os grandes homens entonaram à fé católica nos séculos passados.

Os ordinários, ao promover e favorecer a arte autenticamente sacra, busquem mais uma nobre beleza que a mera sumptuosidade. Isto há de se aplicar também às vestes e ornamentação sagradas. Procurem cuidadosamente os Bispos que sejam excluídas dos templos e dos demais lugares sagrados aquelas obras artísticas que repugnam a fé, os costumes e a piedade cristã e ofendam o sentido autenticamente religioso, seja pela insuficiência, a mediocridade ou falsidade da arte.

Ao edificar os templos, procure-se com diligência que sejam aptos para a celebração de ações litúrgicas e para conseguir a participação ativa dos fiéis. Mantenha-se firmemente a prática de expor imagens sagradas à veneração dos fiéis, com tudo, que sejam poucas em número e guardem entre elas a devida ordem, a fim de que não causem estranheza ao povo cristão e nem favoreçam uma devoção menos ortodoxa.” (Const. Sacrosanctum Concilium, 123-125).

Mons. André Sampaio

Regras de procedimento para lidar com as causas de nulidade matrimonial, conforme estabelecido pelo documento Mitis Iudex Dominus Iesus

A III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, celebrada no mês de Outubro de 2014, constatou a dificuldade dos fiéis em chegar aos tribunais da Igreja. Uma vez que o Bispo, à semelhança do Bom Pastor, tem obrigação de ir ao encontro dos seus fiéis que precisam de particular cuidado pastoral, dada por certa a colaboração do Sucessor de Pedro e dos Bispos em difundir o conhecimento da lei, pareceu oportuno oferecer, juntamente com as normas detalhadas para a aplicação do processo matrimonial, alguns instrumentos para que a ação dos tribunais possa dar resposta às exigências daqueles fiéis que pedem a verificação da verdade sobre a existência ou não do vínculo do seu matrimónio falido.

  • Art. 1. O Bispo, em virtude do cân. 383 § 1, é obrigado a seguir com ânimo apostólico os esposos separados ou divorciados que, pela sua condição de vida, tenham eventualmente abandonado a prática religiosa. Ele partilha, portanto, com os párocos (cf. cân. 529 § 1) a solicitude pastoral para com esses fiéis em dificuldade.
  • Art. 2. A investigação preliminar ou pastoral, dirigida ao acolhimento nas estruturas paroquiais ou diocesanas dos fiéis separados ou divorciados que duvidam da validade do seu matrimónio ou estão convencidos da nulidade do mesmo, visa conhecer a sua condição e recolher elementos úteis para a eventual celebração do processo judicial, ordinário ou mais breve. Tal investigação desenrolar-se-á no âmbito da pastoral matrimonial diocesana de conjunto.
  • Art. 3. A mesma investigação será confiada a pessoas consideradas idóneas pelo Ordinário do lugar, dotadas de competências mesmo se não exclusivamente jurídico-canónicas. Entre elas, conta-se em primeiro lugar o pároco próprio ou aquele que preparou os cônjuges para a celebração das núpcias. Esta função de consulta pode ser confiada também a outros clérigos, consagrados ou leigos aprovados pelo Ordinário do lugar. A diocese, ou várias dioceses em conjunto, segundo os agrupamentos atuais, podem constituir uma estrutura estável através da qual fornecer este serviço e redigir, se for caso disso, um Vademecum onde se exponham os elementos essenciais para um desenvolvimento mais adequado da investigação.
  • Art. 4. A investigação pastoral recolhe os elementos úteis para a eventual introdução da causa por parte dos cônjuges ou do seu advogado diante do tribunal competente. Indague-se se as partes estão de acordo em pedir a nulidade.
  • Art. 5. Recolhidos todos os elementos, a investigação encerra-se com o libelo, que deve ser apresentado, se for o caso, ao tribunal competente.
  • Art. 6. Uma vez que o Código de Direito Canónico deve ser aplicado sob todos os aspectos, salvas as normas especiais, mesmo aos processos matrimoniais, segundo a mente do cân. 1691 § 3, as presentes regras não entendem expor minuciosamente o conjunto de todo o processo, mas sobretudo esclarecer as principais inovações legislativas e, onde for necessário, completá-las.

Fonte: Mitis Iudex Dominus Iesus. Acesso em: 10 mar. 2018.

 

Posts recentes »

© 2024 Katholikos

Por Mauro Nascimento